Nino Denani

Quando eu comecei nessa história de produção de conteúdo, muito antes mesmo de começar o caminho pelos meandros da Magia propriamente dita, passei por um processo muito comum a todos nós que nos dias de hoje, costumo chamar de “deslumbre espiritual“. 

Veja bem: nós temos uma natural curiosidade pelo que é oculto, simbólico e misterioso e o que há de mais misterioso que o contato mediúnico, a existência de espíritos e sua manipulação?

Nós já falamos sobre isso algumas vezes e não quero me tornar repetitivo, mas  gostaria de puxar algumas coisas na sua memória e vou fazer isso contando as várias aventuras que uma criança ou adolescente pode ter nesse sentido:

  • Primeiro os filmes de terror, não é mesmo? A gente adora filme de terror e, em sua grande maioria, não importa se o filme é um jumpscare ou de terror psicológico, quando tem fantasma, demônio, espírito no meio, sempre é mais interessante, principalmente depois da década de 90 quando o gênero do terror de perseguição como Freddy, Sexta-feira 13 e Massacre da Serra Elétrica deram um tempo. 
  • Depois disso, a gente tem as histórias de família, principalmente aquelas que vem do interior e que a galera do Caça Fantasmas Brasil adora pesquisar: corpo seco, saci, lobisomem e todo o tipo de criatura sobrenatural. Aliás… uns dos quadros mais famosos dos meus queridíssimos Assombrados, encabeçado pela fofíssima Ana Paula, é exatamente sobre contos assim.
  • Depois temos as nossas próprias experiências, com brincadeira do copo, do compasso, do lápis… as invocações da loira do banheiro e um monte de lendas urbanas que ainda nos atraem muito. O meu querido Dani do Lenda TV e o Nalata Drive vivem me chamando para experiências assim seja num cemitério, seja numa evocação mesmo.

Esse tipo de coisa, do contato com entidades, sempre esteve em nosso mental, em nossa vontade e em nossa imaginação e, exatamente por isso, adoramos criar novas personalidades do mundo oculto. 

O que seria o Slenderman ou o homem torto senão nossa vontade por esse tipo de história? Setealém, backrooms e toda a sorte de lendas que fazemos estão aí para saciar nossas mentes criativas e nos deixar imaginando que há muito mais do que nós podemos conceber, mesmo que realmente exista muito mais e isso não tenha nada a ver com o paranormal.

Olá, meu nome é nino denani e quero te convidar a adentrar um pouco mais nesse mundo da magia!

Guias espirituais, divindades, demônios, anjos, deuses e deus. O que será tudo isso e, principalmente, porque parece que temos a necessidade de ficar criando essas coisas em nossas mentes? Porque essas coisas parecem tão reais?

Em artigo para a BBC Brasil, a Diretora de Teologia e Religião da universidade de Exeter, na Inglaterra, Francesca Stavrakopoulou, sugere que isso começou a acontecer possivelmente porque tínhamos medo da morte. Ou de morrer, ou de sermos abandonados, não importa muito, o que importa é que foi possivelmente o sentimento de luto que nos fez criar uma noção de religiosidade, de algo além do visível. Segundo ela, 

“As primeiras atividades religiosas foram em resposta a mudanças corporais, físicas ou materiais no ciclo da vida humana, especialmente a morte. Alguns acreditavam que os mortos e outros espíritos podiam ver o que estava acontecendo no mundo e ainda tinham influência sobre os eventos que estão ocorrendo”

E essa é uma noção poderosa, quase tão poderosa quanto a ação de vc se inscrever no canal e clicar no joinha com relação ao incentivo que vc nos dá. A ideia de que os mortos ou até mesmo os deuses estão com a gente e podem intervir em nossas vidas é reconfortante, mas também nos leva a ter muito cuidado com o que fazemos.” fecha aspas.

Para o filósofo alemão Ludwig Feuerbach, nossa necessidade da existência de deus tem a ver com a dureza e com a violência que a natureza nos trata. A vida natural é muito dura e, quando nossos sofrimentos não são ouvidos, acalentados ou compreendidos pela natureza, então buscamos isso fora de nós, que fazemos parte desta natureza, e da própria natureza, ou seja, buscamos esse acalanto em deus.

Independentemente do motivo, de fato, nós temos essa mania de criar e conceber uma espécie de vida a coisas que aparentemente não existem e, além disso, dotamos todas essas coisas de uma mente parecida com a nossa. Acho que a já fui bem explícito sobre isso na palestra que fiz na OGOM chamada “e se não existirem deuses” que está aqui no youtube, só para membros, mas de qualquer forma, não é sobre isso que o vídeo de hoje se trata: a questão toda é: SE existirem mesmo esses seres, quem são eles?

Então… vamos começar do começo.

DEUSES? HEIN?

A coisa que eu primeiro preciso frisar aqui e deixar claro na sua cabeça é que a grande verdade por trás desta história é que ela não importa nem um pouco. Sei que não deveria falar isso logo no início de um vídeo sobre o assunto, mas vou deixar bem claro para você escolher continuar aqui ou não e eu sempre tento ser o mais honesto possível com todo mundo que me procura atrás de algum tipo de informação. O que acontece aqui é que basicamente nada disso importa simplesmente porque, ao que parece, nada disso efetivamente existe. 

Mas calma; isso pode ser mais legal do que você pode imaginar. Me acompanhe:

Eu já trouxe o quão forte nossa mente pode ser e que, basicamente, qualquer coisa que nossa mente criar vai interferir em nossas vidas do jeito que a mente disser que tem que interferir. Claro, isso não quer dizer que você pode se curar de um câncer com o poder da mente, mas quer dizer que você pode interagir com essa doença da forma que você quiser. Você não vai colar um osso que se partiu ou fazer alguém que teve um dano na espinha dorsal voltar a andar, mas com certeza, sua mente vai contar a história que você quiser sobre isso e fazer você interagir com isso de uma forma ou de outra, entende?

Sim… falei isso para que você compreenda que essa galera de “lei da atração” e das curas místicas de doenças não fazem ideia de como a mente funciona, o que quer dizer que se vc estiver doente, VOCÊ PRECISA PROCURAR UM MÉDICO, tome as vacinas e tudo o mais, fechou?

Bom, quando falamos de divindades então, falamos essencialmente de como a mente interage com as histórias que nos são contadas e é a partir destas histórias que as coisas começam a fazer sentido pra gente. Quando a gente adentra a alguma história, acabamos, por conta de um viés cognitivo, vendo tudo o que nos acontece através desta história, logo, confirmamos o que a história nos diz, deixando a história ainda mais crível para a gente. 

Isso é essencialmente um “desenvolvimento mediúnico”. Você vai a um terreiro, te contam a história da existência e possibilidade de interação entre o mundo espiritual e você. Você compra essa história, afinal, foi para isso que você foi até lá, para comprar a história. Então cada coisa que acontecer ali terá a função de fortalecer a história; as conversas correrão a partir desta história, as interações com outras pessoas ocorrerão a partir desta história e, em breve, você estará olhando para os fatos da sua vida através desta história. Cada coisa dessas vai fortalecer ainda mais a história e esse ciclo se repete. 

Por isso um evangélicos tendem a andar com evangélicos assim como umbandistas tendem a andar com umbandistas; as narrativas se combinam, não conflitam e é por isso também que, quando alguém sai da narrativa, parece tão estranho. 

Sabe aquela coisa de marmotagem, que vemos na internet?

Isso é essencialmente uma narrativa conflitando com outra narrativa que se parece muito, mas não o suficiente. É o equivalente narrativo do “vale da estranheza”, sabe? Quando réplicas humanas se comportam de forma muito parecida — mas não idêntica — a seres humanos reais? Você lembra o live action do Sonic, a primeira versão, que tiveram que mudar pq o sonic estava estranho, meio repulsivo? Então… isso é por conta do vale da estranheza.

Claro que não podemos deixar de lado também aquele lance da inveja, da vontade de ser melhor diminuindo o outro e tudo o mais.

Certo, dei um exemplo a você do problema em uma escala micro, ou seja, uma ação dentro de um pequeno local de percepção que é a confraternização em um terreiro ou igreja. Agora, nós podemos ser um pouco mais hermetistas e usarmos a Lei da Relação para observar a questão em um viés macro:”o micro pelo macro assim como o macro é pelo micro”, lembram?

Então: o mesmo processo que faz você olhar e acreditar no sistema de crenças de um terreiro ou igreja, que é fundamentalmente diferente de outro terreiro ou igreja, é o mesmo processo que faz você acreditar em uma história de uma divindade, mesmo que ela seja fundamentalmente diferente da história desta mesma divindade para outra pessoa.

Vou explicar melhor:

Experimente dar uma volta pelo Facebook e lá, procure o termo Lilith.

Você com certeza encontrará alguns grupos diferentes defendendo o contato com a entidade. Vai encontrar pessoas defendendo que ela é um Daemon e vai encontrar pessoas defendendo que ela é uma divindade. Vai ter gente falando que ela é o exemplo perfeito da dualidade, tipo, tempestade e calmaria, luz e sombra e blábláblá. Vai ter gente defendendo que ela traz o amor de volta, e tem gente que diz que ela empodera a mulher para não precisar de homem. Tem gente que cultua ela como deusa suméria, tem gente que cultua ela como deusa abraâmica. 

E todas as pessoas que defendem isso, fazem seus ritos a Lilith e tem resultados, aparentemente. Isso também acontece com orixás, caboclos, deuses olimpianos e toda a sorte de entidades metafísicas que você quiser cultuar. Tem umbanda que defende que Exu é guardião. Tem umbanda que defende que Exu é quase um demônio cristão. Ambos os terreiros funcionam e ambos trabalham com Exu. Por que?

Porque não é o Exu que tá trabalhando. É a mente do médium inserido na corrente de trabalho.

Eu me divirto um monte com esse tipo de briga, e ela acontece num nível que talvez você nem imagine. 

O QUE TA ROLANDO?

Quando eu era da umbanda e estava começando a compreender esse processo, passei a observar o “mundo umbandista” e isso ia ficando cada vez mais claro, passei a fazer, também, algumas pesquisas para tentar entender o que estava acontecendo. Esse processo se deu quando comecei a acompanhar pessoas “grandes” da umbanda, como o Alexandre Cumino e o podcast Papo na Encruza, do meu querido Douglas Rainho. Ambos são pessoas muito competentes em fazer o que fazem dentro da umbanda e conversando com as pessoas que estão próximas a eles, percebi que ambos fazem as coisas com muito carinho e estão confiantes em fazer e pensar do jeito que fazem e pensam, mas eles são fundamentalmente diferentes, pregam coisas diferentes, mesmo usando os mesmos nomes e, por diversas vezes, uma teoria não combina com a outra e ambas não explicam uma a outra. É mais ou menos a mesma coisa que acontece quando você lê a bíblia: alguns vão acreditar em deus como está no velho testamento, outros em deus como está no novo testamento, embora eles sejam fundamentalmente diferentes entre si, como se o ser que é perfeito admitisse a imperfeição e resolvesse mudar ou coisa assim. Alguns acreditam que deus precisa de culto, enquanto outros acreditam que deus precisa de obras e outros ainda acreditam que deus não existe. E porque todos nós conseguimos viver a despeito disso?

A grande situação aqui é que o que está funcionando não é a divindade. Não é o orixá, exu ou deus: o que está funcionando é nossa relação com essas figuras e isso é fantástico, porque o que está acontecendo aqui é que nós estamos prestando uma espécie de culto a nós mesmos, envolvidos por nomes diferentes do nosso.

Ficou estranho isso, não é?

Vou explicar de outro jeito:

Quando falamos de deuses, espíritos, guias, fantasmas e tudo o mais, o que estamos falando, na verdade, é de uma série de crenças que temos que influenciam na forma como vemos o mundo. É o nosso universo interior entrando em conflito direto com o universo exterior e colidindo com ele, nos dando a perspectiva da construção deste universo exterior a partir da limitação do nosso universo interior. Por isso deus está cada vez mais distante de nós e a impressão que temos é que ele está deixando a humanidade de lado: porque temos cada vez mais informações que nos ajudam a interpretar o universo e, quanto mais conseguimos interpretar o universo, mais vemos que os deuses ou entidades não estão ali. Isso nos obriga a criar um monte de teorias e teses que afastam cada vez mais esses deuses e entidades da gente, colocando-os em lugares cada vez mais fantásticos e complicados. 

Quando não conseguíamos explicar a chuva, os deuses estavam ali: nas árvores, florestas, pedras e plantas. Quando conseguimos explicar, os deuses começaram a ir para lugares inacessíveis e precisar de intérpretes e ritos complicados para serem alcançados. Quando começamos a explicar essas coisas que nos pareciam invisíveis, como vírus e bactérias e ver que os intérpretes não tinham lá todo esse poder, os deuses foram empurrados para um local metafísico e se afastaram da humanidade. Os milagres começaram a acontecer com menos frequência porque nós começamos a entender melhor como as coisas funcionam. 

Cada vez que compreendemos mais o universo, menos temos a necessidade de deuses, divindades, anjos e demônios a ponto de, hoje em dia, as novas formas de interação com esses seres ser cada vez mais individual e ir para lados cada vez menos materiais. Antes achávamos que os demônios apareciam em uma encruzilhada escura para nos ensinar violão. Depois, começamos a achar que os demônios aparecem nos sonhos para nos “mostrar o caminho” para aprender violão e hoje, imaginamos que o demônio só influencie, inconscientemente, nossas tomadas de decisões para que possamos aprender violão, entende?

MAS E AÍ?

E aí que essa visão pode ser libertadora se você escolher parar de ter medo e olhar as coisas assim. Isso porque não estou fazendo esse vídeo para falar que o trabalho do terreiro não existe ou que o que você faz na igreja evangélica é falso; na verdade, o que estou dizendo é exatamente o contrário. Tudo isso que acontece é MUITO REAL, só que não da forma que você imagina e sim de uma forma que dá pra gente medir, colocar em equipamentos e saber exatamente o que está acontecendo, ou seja, o que estou te dizendo é que a incorporação, embora não seja necessariamente um espírito falando, não seja uma invocação de um demônio propriamente dito ou coisa que o valha, comprovadamente dá um resultado por questões que podem ser mensuráveis.

E o melhor: Não é Lilith, deus ou exu que tá te ajudando a mudar a vida: é você, é o grupo. E com essa percepção, você pode se tornar praticamente aquilo que quiser se tornar, porque tudo o que está acontecendo, acontece por sua escolha. Por que você está treinando seu cérebro para isso ao longo da experiência do terreiro, da igreja ou do templo. Você está construindo um arquétipo através do conhecimento de um mito, está usando isso para mudar sua relação com as coisa, com o mundo que te cerca e isso está funcionando, pois os gatilhos que você cria para si, que seu grupo cria coletivamente, causa mudanças orgânicas em você.

Se você resolver tentar deixar de lado sua fé por um segundo e olhar as coisas com a razão, verá que faz todo o sentido e, aposto, neste momento, fará um salto em sua vida que só a Magia pode proporcionar.

Afinal: Magia é conhecimento. Conhecimento muda a vida e a fé, meus amigos… fé é aquilo que nos sobra quando não temos esse conhecimento.

Espero que vc tenha uma ótima vida, seja uma pessoa melhor do que foi até agora, tchau.

Somos programados para acreditar em um Deus? – Francesca Stavrakopoulou

Diretora de Teologia e Religião da Universidade de Exeter (Inglaterra)

https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150404_existencia_programacao_deus_mdb_lgb

Ludwig Feuerbach (1804 – 1872)

https://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=107

Se Deus é uma ilusão, sou fruto de Sua criação: o psicanalista, sua religiosidade e a religião – David Léo Levisky

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-641X2014000300014#end

Sobre o Vale da Estranheza:

Mori, M.; MacDorman, K. F.; Kageki, N. (junho de 2012). «The Uncanny Valley [From the Field]». IEEE Robotics Automation Magazine.

https://ieeexplore.ieee.org/document/6213238

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