Nino Denani

Muitos de vocês, novos visitantes aqui do site, que acompanham o crescimento das iniciativas e atividades que costumo fazer não sabem, mas eu já fui religioso.

Sim, pode apostar. Fui religioso e bastante religioso. Não posso dizer que fui um bom cristão; embora eu tenha feito todas aquelas iniciações típicas, como o batismo, primeira comunhão e crisma, eu ia nessas aulas meio que para poder tocar na banda da igreja e tudo o mais. Agora… depois dos meus 22 anos, eu comecei a frequentar a umbanda e aí a coisa mudou de figura.

Caí de cabeça no estudo da mediunidade, fiz curso na Federação Espírita do Estado de São Paulo, fui médium de incorporação, dei passe por quase dez anos até que abri, junto com a minha esposa na época, um terreiro, no qual compartilhávamos a liderança.

Nesse tempo de umbanda, eu comecei a escrever alguns artigos para um blogue que, com o tempo, acabou ganhando muita fama; foi o precursor do canal do youtube e, nesse tempo, comecei a ouvir uma coisa que sempre me intrigou: “você diz que fala com espíritos? Isso é esquizofrenia“.

Hoje, como sou neuropsicólogo, consigo falar bem melhor sobre isso.

Antes de mais nada eu gostaria de trazer um ponto a vocês que espero que exemplifique a diferença de um Mago e um religioso e não vou fazer isso para me mostrar superior ou mostrar que alguém está errado; vou fazer isso pra mostrar o tipo de postura que você também precisa ter frente a certas questões se você realmente quer continuar nesse caminho do adepto: quando eu ouvia, anos atrás, sobre esse assunto, que por falar com espíritos eu era esquizofrênico, eu não tomei uma postura defensiva de rechaçar a ideia. Isso porque, na época, me faltava informação. Eu não sabia muito bem o que era esquizofrenia, não tinha ferramentas suficientes para afirmar ou negar uma situação dessas e, por isso, decidi pesquisar a respeito, em vez de agir com violência para com os acusadores, mesmo sabendo que a acusação era só fruto do preconceito.

Hoje acontece coisa muito parecida com relação a questão Mágicka e vocês devem saber do que estou falando: sempre que apareço em algum podcast grande isso acaba aparecendo; um bando de gente falando sobre o que não sabe para rechaçar ou diminuir outra coisa sobre a qual eles sabem menos ainda.

O ser humano é assim e em nossa terra brasilis vemos isso se fortalecendo cada vez mais, na mesma proporção que o ensino formal fracassa. Mas não é sobre isso que quero falar. Vamos ver se mediunidade é mesmo esquizofrenia, mas vamos fazer isso do jeito certo, tudo bem? Compreendendo o que é esquizofrenia, o que é mediunidade e vendo se elas têm relação.

MEDIUNIDADE

O primeiro desafio desta nossa peregrinação é definir o que é mediunidade. Isso acontece basicamente porque mediunidade não é uma ciência, não é uma coisa que se possa medir ou colocar em aparelhos; é basicamente construída de forma cultural por conta de certas crenças pessoais, baseada em outros relatos pessoais, baseadas em incompreensão de fatos ocorridos. Por conta disso, qualquer informação que eu der aqui pode ser, de certa forma, refutada por qualquer outra pessoa que pense trabalhar com isso. Como crença, a explicação sobre o fenômeno é basicamente pessoal e se eu fugir da explicação pessoal, como certamente acontecerá porque eu não sou você, você vai estranhar e dizer que estou errado. E de fato estarei, pois como a mediunidade não é algo científico, não temos como estar certos. Claro que esta conclusão é exatamente oposta a conclusão da maioria, mas eu sou Mago, sou estudioso do universo e já me acostumei a estar nesse papel. 

Bom, mas como prosseguir então, no meio desta situação?

Vou fazer o seguinte: vou pegar algumas referências de peso dentro do estudo bem entre aspas do fenômeno e me basear no que eles falam. Assim, se você discordar da definição, pode ir reclamar com eles, tudo bem?

Bom, segundo a Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas,

 “Para a Doutrina Espírita, a mediunidade não deve ser vista como “transe”. Mediunidade é sintonia e troca de experiência entre espíritos desencarnados e encarnados. Não há perda de consciência, não há anulação. Há soma das experiências das partes envolvidas, trazendo superação“.

Bom… isso não nos diz muita coisa sobre o que a coisa é. 

Meu querido Alexandre Cumino vai definir a mediunidade em um texto em seu facebook como

 “Mediunidade é a capacidade ou o dom de se comunicar de alguma forma com outras realidades! Esta comunicação pode ser com espíritos ou com outras formas de vida e consciência.


Isso também não nos diz muito. Quer dizer, acho que está claro que a mediunidade seria uma espécie de faculdade que faz com que as pessoas que estão vivas, tratadas geralmente como “encarnados”, conversem com pessoas que não estão mais vivas, tratados geralmente como “desencarnados”. O problema aqui é que isso não nos diz COMO a coisa acontece, só diz que acontece. 

Edgard Armond, que foi responsável pela implantação da Federação Espírita do Estado de São Paulo (FEESP) e sistematizou o estudo da Doutrina em termos evangélicos e estabeleceu cursos para auxiliar o desenvolvimento de médiuns, cita em seu livro “mediunidade” que essa busca que estou fazendo é inútil, dado que a mediunidade não se demonstra em termos orgânicos. Cito dele: 

Mas quanto à faculdade em si mesma julgamo-la tôda espiritual, não orgânica, e todos nós a possuímos e a estamos exercendo, nos limites de nossas possibilidades próprias.”

Cara… que balaio de gato que eu fui me meter… eu, como neuropsicólogo, não consigo conceber algo que faça nosso corpo ter uma resposta sem que passe pelo meio biológico. Quer dizer: se você ouve alguma coisa, mesmo que seja só em sua mente, você ouve porque um conjunto de neurônios se move (figurativamente) para isso. Se seu braço se move, por mais que seja quando alguém te obriga a fazer isso, há uma resposta neurológica, ou seja, biológica.

Procurei, então, explicações mais abrangentes e não vou enganar vocês: fracassei humilhantemente. Mas descobri que eu não estou só nesta questão. Ao analisar alguns estudos acadêmicos, me deparei com um chamado “COMUNICAÇÃO COM OS “MORTOS”: ESPIRITISMO, MEDIUNIDADE E PSICOGRAFIA”, trabalho de pós graduação  de IRACILDA CAVALCANTE DE FREITAS GONÇALVES para a UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA, onde ela dizia:

Ao iniciarmos o levantamento dos teóricos que já trabalharam sobre o tema emquestão, surpreendemo-nos ao descobrir que as nossas suspeitas encontraram ecos nas falas de teóricos brasileiros que, atualmente, exercem atividade nesse campo. O interesse das ciências humanas pelo campo religioso espírita é muito recente. As obras que se sedimentaram, enquanto referência teórica para os futuros pesquisadores, são escassas. Apesar de substanciais, as contribuições até então produzidas são insuficientes para dar conta da complexidade desse campo de estudo.

É… realmente fica difícil encontrarmos formas de falar sobre a mediunidade, dado que não temos um contexto firme para basearmos nossos argumentos. Mas vamos ficar assim por enquanto: Mediunidade é uma espécie de faculdade que todos nós temos e que nos permite comunicar com espíritos. Peguei essa definição das obras do Kardec, então você pode discordar à vontade, mas se for fazer isso, então faça direito e produza um estudo sobre o assunto, ok?

ESQUIZOFRENIA

Bom… ao contrário da mediunidade, a esquizofrenia tem bastante material para consulta e diagnóstico preciso e podemos encontrar isso tanto no DATASUS, que é o departamento de informática do sus, quanto no catálogo internacional de doenças, o CID, sob o código F20. vamos dar uma olhada nisso:

Os transtornos esquizofrênicos se caracterizam em geral por distorções fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados. Usualmente mantém-se clara a consciência e a capacidade intelectual, embora certos déficits cognitivos possam evoluir no curso do tempo. Os fenômenos psicopatológicos mais importantes incluem o eco do pensamento, a imposição ou o roubo do pensamento, a divulgação do pensamento, a percepção delirante, idéias delirantes de controle, de influência ou de passividade, vozes alucinatórias que comentam ou discutem com o paciente na terceira pessoa, transtornos do pensamento e sintomas negativos.

Acho que dá pra partir daí pra gente tentar comparar as coisas, mas claro… vamos ter alguns problemas dado que a mediunidade não tem um catálogo de coisas, ou seja; ela não tem uma pesquisa sobre as formas de manifestação corretas e tudo o mais. A gente sabe que um médium age assim ou assado, que existe mediunidade mecânica, de efeitos físicos e tudo o mais, mas não temos um relatório que explica, como acontece com a esquizofrenia, seus casos. Então, o que posso fazer é trazer a minha experiência na comparação das coisas e eu sei, antes de mais nada, que esse não é o melhor quadro… mas fazer o que? É o que temos quando tentamos ver as crenças à luz da ciência.

Bom, a esquizofrenia tem quadros bem delineados como pudemos ver na descrição há pouco, certo? Então podemos pegar caso a caso e tentar explicar. Vamos por partes, então:

  • Os fenômenos psicopatológicos mais importantes incluem o eco do pensamento.

Eco do pensamento é quando um determinado pensamento é repetido dentro da sua cabeça, como se você ouvisse o que acabou de pensar com uma diferença de alguns segundos. Tipo, vc pensa e o pensamento se repete, com ligeiras diferenças em termos de qualidade. 

A mediunidade tem isso? Acho que não… pelo menos pelo que sei, o pensamento aparece de uma forma muitas vezes clara, a informação chega e não tem esse intervalo de repetição… Então, ponto pra mediunidade.

  • Imposição ou roubo do pensamento: Isso quer dizer que a pessoa acredita que os outros conseguem ler sua mente, que os pensamentos são transmitidos a outros ou que os pensamentos e impulsos lhe estão sendo impostos por forças externas. Hum… aqui a coisa complica um pouco, não é mesmo? Pq o que é defendido como mediunidade inconsciente, por exemplo, é completamente isso; os pensamentos são impostos por forças externas. Mas a mediunidade consciente não, o médium tem total controle sobre o que está acontecendo, então a imposição do pensamento não acontece. Bom, quer dizer… nem sempre. Há aqueles que, mesmo conscientes, acham que os pensamentos são impostos… Então acho que aqui, é ponto pra esquizofrenia.
  • divulgação do pensamento: Essa é bem autoexplicativa: o médium sentiria que outras pessoas podem ouvir seus pensamentos. Isso não acontece de forma nenhuma. Então… ponto pra mediunidade.
  • A percepção delirante, é quando a uma percepção corriqueira, é associado um conteúdo autorreferente, quase sempre de ameaça imediata à própria vida, com certeza absoluta e significado sem qualquer vínculo com o objeto percebido”. A pessoa vê, ouve ou sente alguma coisa e acha que essa coisa tem a ver necessariamente com ela e, em geral, que isso é uma ameaça à própria vida. Tipo, vê uma matéria de jornal sobre o Silvio Santos ter se aposentado e tem certeza que essa aposentadoria é um sinal de que o SBT fez isso para que ela morresse de tristeza, saca? Sem relação com a mediunidade, então, ponto pra mediunidade.
  • Ideias delirantes de controle, de influência ou de passividade, é a idéia de que seus sentimentos, seu corpo ou suas ações estão sendo manipuladas ou controladas por forças externas, de alguma forma. Bom… aqui a coisa também fica nebulosa, porque na real, o espírito não controlaria o corpo do médium, só daria uma ideia de controle… Bom… isso é uma ideia delirante de influência, então não tem muito como escapar: ponto para a esquizofrenia.
  • vozes alucinatórias que comentam ou discutem com o paciente na terceira pessoa, esse é o mais interessante e o mais complicado de falar por conta do termo “ouvir”. Este sintoma diz que o médium ouviria sons que não são reais. Eles podem ter discursos e comportamentos desorganizados. As alucinações mais comuns no caso de esquizofrenia são as auditivas. Nesse quadro, de fato, o paciente escuta vozes que mandam ele fazer alguma coisa, entretanto… o que seria o “ouvir” aqui? Seria como ouvir de verdade, ou como um pensamento invasor, saca? Aquela coisa que é como a nossa conversa interna? Pq se for no primeiro caso, não… o médium não ouve essas vozes… mas se for no segundo caso, sim… é assim que a mediunidade se comporta. Bom… no caso da esquizofrenia, segundo nos aponta o psiquiatra Marcelo Calcagno, o paciente realmente ouve vozes, como se fossem produzidas nos nossos ouvidos, não como mensagens do pensamento. Segundo ele:

Alucinações auditivas costumam ser vividas como vozes, familiares ou não, percebidas como diferentes dos próprios pensamentos do indivíduo”. Bom, então assim não sobram dúvidas: ponto para a mediunidade.

  •  transtornos do pensamento e sintomas negativos: esse sintoma faz referência a quando o pensamento é desorganizado. Isso se torna evidente quando a fala é incoerente ou muda de um tema para outro. A fala pode ser discretamente desorganizada, ou ser completamente incoerente e incompreensível. Isso também não acontece no médium, então, ponto para a mediunidade.

Excelente. Qual nosso placar, então?

5 a 2 para a mediunidade, o que quer dizer que, dos 07 sintomas básicos para o diagnóstico da esquizofrenia, a mediunidade só preenche dois deles… menos da metade.

PARA BOM ENTENDEDOR 

O que acontece aqui é algo que sempre peço para vocês a gentileza de NÃO FAZER: a conclusão equivocada a partir de informações erradas sobre um determinado assunto. Em geral, quem diz que médium é esquizofrênico é quem não sabe o que é a mediunidade e também não sabe o que é a esquizofrenia. E olha que eu sou uma das pessoas que coloca a mediunidade em xeque, que não acredita muito na existência disso, dado que não acredito muito na existência de espíritos. Ou seja: não estou aqui querendo defender a mediunidade ou dizer que ela existe de fato, que é possível a comunicação com espíritos e coisas do gênero, só estou querendo diferenciar uma coisa da outra.

Quero, também, que você perceba uma coisa importante aqui: há centenas de anos algumas pessoas entre nós defendem a comunicação com espíritos e entidades metafísicas, mas como acho que ficou claro na dissertação, não há sequer uma compreensão de como isso é feito. As informações que temos são todas oriundas de experiências pessoais, assim como fiz para comparar a mediunidade com esquizofrenia, o que quer dizer que não são dignas de referência, ou seja, não são espelhos da realidade. Antes disso, são só coisas que contamos e, acho que ficou claro aqui, contamos para explicar coisas que não sabemos explicar. No fim das contas, quem é médium e defende a mediunidade faz mais ou menos como quem não sabe o que é esquizofrenia e defende que a mediunidade é esquizofrenia: não sabe o que é, nunca viu, nunca leu nada a respeito, mas ainda assim, acredita no que diz por conta de uma falácia do apelo anedótico.

Se a mediunidade é real ou não, eu não sei. Só sei que independentemente da realidade do fato ou não, ela produz mudanças significativas em quem faz uso dela de alguma forma; mudanças boas e mudanças ruins. A única coisa que posso afirmar aqui, como um especialista em estudos da Mente e do Cérebro é que não, mediunidade não é esquizofrenia.

Espero que você tenha uma ótima vida, seja uma pessoa melhor do que foi até agora e tchau.

Mediunidade

Sem assinatura.

Mediunidade

Alexandre Cumino

https://www.facebook.com/colegiopenabranca/posts/3856635404447881/

Edgard Armond

Mediunidade

Iracilda Cavalcante de Freitas Gonçalves

Comunicação com os “mortos”: Espiritismo, Mediunidade e psicografia

https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/4259/1/arquivototal.pdf

Esquizofrenia – DATASUS

http://www2.datasus.gov.br/cid10/V2008/WebHelp/f20_f29.htm

Percepção delirante: 

Esquizofrenia:

https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-de-sa%C3%BAde-mental/esquizofrenia-e-transtornos-relacionados/esquizofrenia

Sobre as vozes, Marcelo Calgano:

https://cuidadospelavida.com.br/saude-e-tratamento/esquizofrenia/tipos-alucinacoes-esquizofrenia

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